Democracia

A partir do final dos anos 1970, o capitalismo experimentou uma fase regressiva – o capitalismo neoliberal financeiro-rentista – e, desde 2008, entrou em crise terminal. Os capitalistas deixaram de controlar o processo de acumulação de capital e inovação que os legitimava, e o capitalismo deixou de produzir desenvolvimento econômico e progresso humano. Em seu lugar, está surgindo uma nova organização social, que o autor denomina “gerencialismo democrático”, no qual a classe dos gerentes ou tecnoburocratas voltou a se fortalecer e a constituir o núcleo da nova coalisão de classes dominantes. Ao mesmo tempo, a democracia vem enfrentando bem o desafio autoritário, e é possível prever que ela se aprofundará no gerencialismo democrático.

Leia o artigo de Luiz Carlos Bresser-Pereira em https://www.scielo.br/j/rae/a/GSW5RNrtjxVSpWrfrSSKV8Q/?format=pdf&lang=pt

A pesquisa no campo da administração pública encontra-se permanentemente desafiada a refletir sobre a complexa relação que envolve a administração e democracia. O retorno ao cenário nacional e internacional de forças políticas situadas no campo da extrema direita, que recorrem às regras do jogo democrático como ferramentas contra a clássica democracia liberal, coloca desafios teórico-epistemológicos adicionais ao campo. Quais os desafios e perspectivas da produção do saber no campo da administração, particularmente no que diz respeito à articulação entre modelos de gestão e democracia, considerando projetos de sociedade e modelos de desenvolvimento? Esse debate requer a mobilização de conhecimento crítico, o redesenho de objetos de estudo, do significado da participação, o aprofundamento do caráter interdisciplinar da pesquisa, além de explicitar a dimensão política da relação entre res publica e democracia.

Leia o artigo de Elisabete Santos e Renata Alvarez Rossia em https://www.scielo.br/j/osoc/a/3jTDtfHgL9FdKd3SXQmqQKr/?format=pdf&lang=pt

Este artigo examina o comportamento das agências de classificação de crédito (CRAs) durante a “maré rosa”. O argumento trabalhado é que as ações da S&P Global, Moody’s e Fitch contribuíram para o desmantelamento dos regimes de esquerda na América Latina, em benefício de seus concorrentes de direita. A metodologia baseia-se em estudos de caso do Brasil e da Argentina, onde os governos de Dilma Rousseff e Cristina Fernández de Kirchner foram substituídos pelos de Michel Temer e Mauricio Macri, respectivamente. A pesquisa baseia-se em classificações soberanas, relatórios e comunicados de imprensa emitidos pelas agências durante essas transições, que são analisados à luz de teorias críticas de seu modus operandi e confrontados com o processo político que se desenrola em ambos os países. Isso nos permite tirar conclusões consistentes com o argumento apresentado, contribuindo assim para o avanço da agenda de pesquisa sobre as CRAs e para lançar luz sobre as recentes transições presidenciais críticas do Brasil e da Argentina.

Leia o artigo de Pedro Lange Machado em https://www.scielo.br/j/cint/a/7ww5Ycf35H65GSsLm7B5sZn/?format=pdf&lang=en

Esse artigo trata dos desdobramentos da eleição de 2022. Inicialmente argumenta que, em um segundo mandato, Bolsonaro poderia aumentar seu poder de atração sobre os partidos de centro e de direita no Congresso para então avançar sobre os órgãos de justiça, colocando em risco a democracia brasileira. Na sequência, mostra que a vitória de Lula não impediu que os partidos de direita mantivessem uma trajetória de crescimento, consolidando uma posição majoritária tanto na Câmara como no Senado, e analisa as razões para tanto. Tomando como base esse crescimento da direita e nas mudanças na relação entre os poderes Executivo e Legislativo verificadas nos últimos anos, argumenta-se que a empreitada de Lula será mais difícil do que a iniciada 20 anos atrás. O desempenho da coalizão de governo nas votações mais importantes realizadas em 2023 é uma evidência nesse sentido e sinaliza para os limites de “Lula 3”.

Leia o artigo de Carlos Ranulfo Melo em https://www.scielo.br/j/ccrh/a/tzjDfP8c4p5hXsbLNbGQrwb/?format=pdf&lang=pt

A partir da teoria política sobre a distinção público/privado, o artigo investiga a proteção de dados pessoais como um desdobramento contemporâneo da privacidade. Para fundamentar empiricamente a discussão, são analisados três diferentes marcos normativos de proteção de dados: da União Europeia, dos Estados Unidos e do Brasil. O objetivo é examinar como as legislações compreendem o papel do Estado, a atuação do setor privado e os direitos de seus cidadãos. A metodologia adotada é a de análise comparada com foco nas correlações e controvérsias entre as normas. Como resultado, o artigo sistematiza as principais regras adotadas em cada uma das regiões em um quadro comparativo. O diagnóstico aponta para a conclusão de que as divergências entre os modelos regulatórios refletem entendimentos sobre o próprio sistema democrático. Os resultados da discussão buscam contribuir para reflexões das ciências sociais com ênfase em tecnologia e política.

Leia o artigo de Adriana Veloso Meireles em https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/my3M8sH3tfpm4WmXhrNcMjK/?format=pdf&lang=pt

Na crônica da política brasileira, o conceito de “troca” frequentemente carrega conotações pejorativas, associado a interesses e benefícios puramente individuais. A compreensão predominante vincula esse termo a vantagens concedidas meramente a um indivíduo, ignorando seu papel fundamental na interação social e política. Essa interpretação equivocada revela uma esquizofrenia conceitual: enquanto na vida corriqueira das pessoas, a troca é vista como um meio para atender interesses mútuos, na política, paradoxalmente, ela é vista como inapropriada. De igual forma, é comum a confusão entre os conceitos de corrupção e troca, levando a uma percepção distorcida sobre as práticas políticas. Corrupção, conforme entendida corretamente em termos terminológicos, refere-se a práticas que transgridem a lei e, por isso, podem resultar em responsabilização criminal. Contrariamente, a troca não é sinônimo de crime. Originária da economia, a troca envolve a compatibilização de interesses individuais e a melhoria do bem-estar através da utilização das habilidades próprias e alheias. Nesse contexto, a troca é um processo natural e legítimo de interação e negociação.

Leia o artigo de Fabiano Santos em https://inteligencia.insightnet.com.br/joga-pedra-na-geni-neomoralismo-intolerancia-e-desconhecimento-da-democracia/

A corrupção política é um dos problemas mais graves e complexos enfrentados pelas novas e velhas democracias. Fundamentalmente, ela envolve o abuso de poder público para qualquer tipo de benefício privado, incluindo vantagens para partidos de governo. Desqualifica, assim, o princípio de igualdade política inerente à democracia, pois seus protagonistas podem obter ou manter poder e benefícios políticos desproporcionais ao que conseguiriam por meio de formas legítimas e legais de competir politicamente. Ao mesmo tempo, a corrupção distorce a dimensão republicana da democracia porque faz com que as políticas públicas resultem, não do debate e da disputa pública entre diferentes projetos, mas de acordos de bastidores que favorecem interesses espúrios. Apesar da eficiência de instrumentos metodológicos clássicos como pesquisas de opinião com questionário estruturado e pesquisas qualitativas com grupos focais, ainda é possível identificar vieses na qualidade das informações coletadas sobre corrupção. Este artigo visa abordar essa questão apresentando dois experimentos de pesquisa, um realizado em 2014 e outro em 2018. A pesquisa de 2014 indicou que há uma diferença substantiva entre a pergunta direta e a pergunta experimental. O nível de tolerância à corrupção é muito superior ao apontado por outros instrumentos metodológicos.

Leia o artigo de Emmanuel Nunes de Oliveira e José Álvaro Moisés em https://www.scielo.br/j/op/a/fPq8FJcFwrLbNhHPMmNf59f/?format=pdf&lang=en

El objetivo de este estudio es analizar críticamente los desafíos y posibilidades que subyacen a la aplicación de procesos participativos basados en algoritmos de inteligencia artificial en la política. Se focalizará en la propuesta de democracia aumentada que, basada en gemelos digitales y unos principios de diseño, se está diseñando y desarrollando desde diferentes ámbitos tecnológicos y académicos. Actualmente, la desafección participativa de la ciudadanía en los distintos procesos políticos, como la elaboración de leyes y la concreción de estrategias y políticas públicas, y la incapacidad de los representantes políticos para fagocitar ampliamente la voz de la ciudadanía, se ha convertido en un lastre para el desarrollo de las sociedades modernas. Como respuesta a tales desafíos sociales y políticos, desde el mundo académico y tecnológico han surgido propuestas participativas que, como la democracia aumentada, plantean la posibilidad de adaptar y aplicar tecnología procedente de la industria productiva: los gemelos digitales.

Leia o artigo de Patrici Calvo em https://clad.org/wp-content/uploads/2023/11/083-02-C.pdf

Na redemocratização, houve continuidades e rupturas em relação às disputas envolvendo discursos, vocabulário e práticas de direitos humanos. Presentes desde o início, as tensões se agravaram após 2010, com a formação de uma grande aliança contra os governos do PT e a “maré rosa” no continente. Atingiram, por fim, as bases do regime democrático. Em um cenário internacional de campanhas antiestablisment, com a expansão do uso de mídias e redes sociais digitais e crise econômica, a estratégia exitosa dessa aliança de centro-direita elegeu políticas de participação social e programas nacionais de direitos humanos como alvos preferenciais. Tal abordagem favoreceu contrapúblicos da extrema direita. Conjugando aportes teóricos sobre direitos humanos, participação social e esfera pública, esses fenômenos são analisados no período entre 1990 e 2020, a partir de banco de dados de reportagens, discursos, entrevistas e publicações em redes sociais. Leia o artigo de Otávio Dias de Souza Ferreira em https://www.scielo.br/j/ln/a/xF3mRHCgfBPrftcC5dSQTPd/?format=pdf&lang=pt

O artigo discute conceitualmente, comparativamente e normativamente o constitucionalismo transformador (“CT”), entendido como um projeto de transformação social por meio do direito constitucional. A partir de uma breve visão das experiências com CT na América Latina, e em países como a África do Sul, discute uma série de problemas que surgem no debate global nas últimas décadas, com ênfase nas instituições necessárias para o cumprimento de suas promessas. Criticando e ampliando o foco típico da teoria constitucional em direitos e tribunais, propõe uma perspectiva institucional, que inclui a reforma de processos políticos decisórios e a criação de instituições inclusivas (a “casa das máquinas”, na expressão de Gargarella) como condições necessárias para a implementação de um projeto transformador. Por fim, discute-se potenciais tensões entre certas concepções de CT e a própria ideia de democracia. Aponta-se riscos de se tratar o constitucionalismo transformador como uma espécie de “engenharia social judicial”, em que juízes definem os próprios fins últimos da comunidade sem deixar espaço para a discussão política democrática sobre o que os compromissos constitucionais exigem em termos de transformação.

Leia o artigo de Diego Werneck Arguelhes e Evandro Proença Süssekind em https://www.scielo.br/j/rdp/a/5rmnMfnPDY84csYFWGtNzDG/?format=pdf&lang=pt